A Justiça do Trabalho passou a usar uma nova estratégia para encontrar dinheiro de devedores que utilizam laranjas para esconder patrimônio. Trata-se do Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS), que permite a localização de titulares de contas bancárias – representantes e procuradores – e o cruzamento de dados pelo Judiciário. Desenvolvido pelo Banco Central (BC), o CCS tem como objetivo auxiliar investigações financeiras sobre lavagem de dinheiro.
O sistema é utilizado quando não são encontrados bens por outros meios já comuns no Judiciário, como o Bacen Jud (bloqueio de contas bancárias), o Renajud (de automóveis) e o Infojud (que fornecem dados do Imposto de Renda). Somente neste ano, até março, foram feitas 23.673 consultas ao CCS. Em 2013, ocorreram 82.448 buscas pelo sistema. O número é 38 vezes superior ao de 2009, quando foram registrados 2.161 acessos.
A partir do cruzamento de informações do CCS com outros dados fornecidos pelo Banco Central, Receita Federal e juntas comerciais, a Justiça do Trabalho começou a embasar pedidos de bloqueio de valores de contas bancárias de terceiros. Os 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) do país e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) já possuem convênio com o Banco Central para que os magistrados possam se cadastrar e ter acesso ao banco de dados. O cadastro não traz saldo e movimentação financeira das contas.
Recentemente, a Justiça do Trabalho no Rio Grande do Sul, após tentativa frustrada de localizar bens de uma companhia de telecomunicações e de seus sócios, resolveu utilizar o CCS. O sistema produziu um relatório de 382 páginas de relacionamentos e detalhes indicativos de que a companhia fazia parte de um grupo econômico e que os responsáveis pela empresa de telecomunicações eram procuradores e representantes em outras contas bancárias de pessoas da mesma família. Com base nessas informações, a Justiça bloqueou as contas bancárias localizadas para quitar ao menos sete execuções trabalhistas.
A 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais também determinou, com base na busca desse cadastro, o bloqueio da conta bancária da companheira do dono de uma lanchonete. Segundo a decisão, ficou demonstrado que sua relação com ele não se limitava à união estável, tratando-se, na verdade, de uma sócia de fato, que deveria ser responsável pela dívida.
Para o relator do recurso, juiz convocado Eduardo Aurélio Pereira Ferri, os poderes conferidos na procuração levaram à conclusão de que as contas bancárias possuíam natureza de conta conjunta e que os dois atuavam no mesmo setor de lanchonetes, casas de chá, sucos e similares.
Segundo a decisão, a consulta ao cadastro tem sido utilizada com o intuito de encontrar possíveis fraudes às execuções trabalhistas. “Assim, é certo que um dos modos de fraudar o crédito alimentar é, justamente, a abertura de empresas em nome de terceiros, mas sobre as quais os executados possuem amplos poderes de gestão e administração, situação capaz de demonstrar o poder patrimonial que estes possuem sobre tais negócios”, destaca.
O juiz do trabalho Gilberto Destro, que atua na 3ª Vara do Rio Grande (RS), tem utilizado o sistema CCS em casos extremos, quando todos os outros meios já foram usados para buscar bens do devedor. “Uma das maiores dificuldades do processo do trabalho é encontrar bens quando o devedor tenta não satisfazer a obrigação que lhe é imputada na decisão judicial”, diz.
De acordo com o magistrado, muitas vezes são necessárias outras diligências, como o cruzamento com outras informações para caracterizar a fraude trabalhista. Segundo ele, porém, nem sempre há sucesso nessas buscas. “Há muitos casos de empresas que funcionaram por um determinado tempo, depois tornaram-se insolventes e nada é localizado.”
O sistema do Banco Central, porém, ainda não é amplamente difundido no Poder Judiciário. O juiz Rogério Neiva Pinheiro, que atua naª 6 Vara do Trabalho de Brasília, por exemplo, afirma não ter conhecimento de como usar a busca. Nesses casos, o magistrado afirma que tenta localizar em cartórios que possuem base de dados on-line para encontrar procurações de contas bancárias. “Mas é quase um trabalho manual. Se tivesse acessado esse cadastro poderia ter encontrado informações mais diretas”, diz.
A advogada trabalhista Juliana Bracks, do Bracks & Von Gyldenfeldt Advogados Associados, afirma ser favorável ao uso do cadastro. “Sou a favor de qualquer recurso tecnológico que faça a Justiça encontrar bens e que dá mais efetividade às condenações judiciais”, diz. Para ela, são necessárias medidas como essas para acabar com o sentimento de impunidade da sociedade e do trabalhador “que fica com a percepção do ganhei mas não levei”.
O sistema porém, deve ser usado com cautela na Justiça do Trabalho, segundo o advogado trabalhista Marcos Alencar. Para ele, o uso indiscriminado tem prejudicado muitas pessoas físicas procuradoras de empresas, que são meramente empregadas. E que, nesse caso, tem sua conta pessoal bloqueada porque a Justiça entende que são sócios ocultos da companhia. Segundo Alencar, esse acesso só vai fazer com que os executados fraudadores não credenciem procuradores. “Isso só vai prejudicar quem é honesto.”
Para o advogado tributarista Sérgio Presta, esse sistema tem sido utilizado em sua maioria pela Justiça do Trabalho. “Porém, essas fraudes são exceção. Todas as grandes empresas têm diversos procuradores, que são diretores, para movimentar suas contas, e não há nada de errado nisso”, diz. A Justiça trabalhista, segundo ele, deve examinar com cuidado cada caso.
Adriana Aguiar – De São Paulo