A vida em sociedade não se realiza de modo atomizado e, por isso, a interpretação jurídica dos direitos fundamentais deve ser sistematizada e priorizar o coletivo quando convicções particulares podem por em risco a vida de outros.
Com esse entendimento, o juiz Luis Manuel Fonseca Pires, da 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, negou um pedido de suspensão do acordo entre o Governo de São Paulo e as operadoras de telefonia móvel que implantou um sistema de monitoramento dos celulares dos cidadãos. Por meio desse sistema, o governo pode identificar locais onde há aglomerações de pessoas durante a epidemia do coronavírus.
A decisão se deu em ação popular, que apontava violação de direitos fundamentais, como da privacidade e da locomoção. O magistrado, no entanto, não vislumbrou risco à privacidade dos cidadãos. Isso porque, segundo ele, o sistema coleta dados é feito de forma agregada, não individual, apenas para formar mapas de calor nos locais onde há maior circulação de pessoas.
“Haveria, em verdade, um controle excepcional, por parte do Governo de São Paulo, no combate das aglomerações populacionais e da epidemia como um todo, o que atende às exigências de interesse público quando busca o retardo da proliferação do SARS-CoV-2 e, consequentemente, a superlotação dos leitos de hospitais. O método utilizado aparentemente baseia-se na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e serve, no caso, para o acompanhamento da epidemia, como guia do gestor público na alocação dos recursos para o combate do coronavírus”, disse.
Ainda segundo o juiz, o direito fundamental à proteção de dados e comunicação telefônica não é afetado porque nenhuma conversa, nem dados pessoais de qualquer usuário são atingidos, apenas usa-se o georreferenciamento “para o planejamento de um programa de saúde pública que objetiva combater a proliferação de uma epidemia no país, que por todo o mundo provocou milhares de mortes”.
Pires reconheceu que o direito à livre locomoção sofre restrições, mas a Constituição não pode ser interpretada por trechos previamente selecionados, “pois o que se impõe é saber qual a razão para a restrição”. “A pandemia é motivo mais do que suficiente a justificar a percepção de que o direito de locomoção não é absoluto, mas se integra e deve ser sopesado com outros direitos e deveres constitucionais, dentre eles a proteção à vida e o respeito à dignidade da pessoa humana, iguais direitos fundamentais”, completou.
Fonte: CONJUR
1020192-74.2020.8.26.0053